O cão tem dono
Doutora em Serviço Social pela PUC/SP
Presidente da AASPTJ-SP
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Imagens retiradas do site: www.deputadomarcoaurelio.com.br |
Na audiência pública convocada na Assembleia Legislativa de São Paulo na quarta-feira desta semana, que tinha como pauta o debate sobre as violações de direitos e os abusos cometidos pelos agentes do Estado no Pinheirinho, o que mais chocou foram os depoimentos dos moradores.
Senhoras, senhores idosos e jovens, todos muito simples e pobres, contaram emocionados e aviltados em sua dignidade como foram enxotados de suas casas pela tropa militar armada com bombas, revolveres, fuzis, cassetetes e cavalaria, nas primeiras horas da manhã de um domingo.
O pior não foi essa truculência, ao que parece, sem precedentes em reintegrações deste tipo no Estado de São Paulo. Foi o que veio depois: tratores entrando e derrubando as casas que há anos abrigavam cada uma daquelas famílias com seus filhos, seus idosos, seus deficientes, suas gestantes, enfim, seis mil pessoas com suas vidas normais de trabalhadores!
Essas pessoas foram colocadas, em seguida, em condições precaríssimas: sem sanitários, sem acomodações para seus pertences (poucos, evidentemente, pois não houve tempo hábil para retirá-los das casas).
Enfileirados tal qual já se viu em filmes sobre o Holocausto recebendo as ordens de que direção seguir para serem catalogados e abrigados provisoriamente em algum lugar.
Ficaram para trás, no meio dos escombros, os animais de estimação, os brinquedos das crianças, as fotos nas paredes, a dignidade do teto sobre a cabeça.
Agora tudo exposto ao léu e às intempéries da vida.
Dormem agora no meio de centenas de outras pessoas, trocam de roupas no canto do salão da igreja, as mães dão o peito aos recém-nascidos junto às paredes frias de algum lugar.
O Ministério Público aventa a hipótese de ilegalidade ou irregularidade na destruição das casas, pois ao que consta, a ordem judicial era tão somente para a desocupação e não para a demolição.
E esse é um detalhe fundamental, pois revela o grau do abuso moral do Estado contra essas pessoas.
Para além de todas as querelas jurídicas sobre o direito de propriedade versus o direito de moradia, ou sobre a função social da propriedade versus a inação do Estado por anos a fio na resolução do conflito de interesses, não se pode ficar insensível ao que aqueles moradores relataram.
Não se pode admitir como normal o que se lê nos jornais sobre a quantidade de animais de estimação que tiveram que ser abandonados ou foram feridos na operação, muitos deles encontrados agora mortos entre os destroços.
Os estudiosos do Direito ou da Filosofia sempre souberam que a função do Judiciário deve ser sim a de solucionar conflitos de interesse, mas sempre buscando evitar que a decisão tomada provoque violações de outros direitos ou novos sofrimentos morais.
A função do Executivo, por sua vez, deve ser a de promover as ações que levem à proteção dos interesses e dos direitos dos cidadãos. De todos os cidadãos, inclusive dos que pertencem às faixas de renda menos favorecidas.
Diante da barbárie autorizada pelas mais altas autoridades do Estado em São Paulo, contra nada menos que seis mil pessoas pertencentes a parcela mais desprotegida da população, a sociedade brasileira aguarda para que pronunciem-se Suas Excelências o Prefeito de São José dos Campos, o Sr. Governador, e o Sr. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.