Qual é o seu valor? Sobre a importância da produção e da utilização da informação para o trabalho técnico dos assistentes sociais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Autor: 
Sandra Maria Andrade de Freitas,
Autor: 
assistente social do TJ-SP – Fórum Pinheiros, capital

Em 2009 a equipe técnica de assistentes sociais da Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional de Pinheiros, realizou um estudo motivado pelo aumento da demanda de determinações para realização de laudos sociais em Vara de Família, assim como pelo decrescente número de elementos da equipe, causado por desligamentos por aposentadoria;  transferências e afastamentos prolongados por graves problemas de saúde de profissionais.


O estudo, baseado nas informações disponíveis, apresentadas em tabelas - ver como exemplo o anexo 1 [Observamos, a partir dos dados levantados, que, no período de janeiro a maio de 2009 houve um incremento de 64,5% na demanda de processos de Vara de Família em relação ao mesmo quadrimestre de ano anterior],  buscou sinalizar para  a questão da falta de capacidade de atendimento à demanda crescente de estudos e laudos, dentre outras inadequações como espaço físico insuficiente e impróprio, equipamentos de informática insuficientes e sem manutenção e ausência de recursos humanos para as tarefas administrativas, exercidas de forma acumulada pelos técnicos.


Embora o documento busque apresentar uma análise sucinta das especificidades dos estudos sociais e oferecer uma aproximação da média de horas gastas para confecção de um laudo de família e consequentemente da produtividade possível dentro de alguma qualidade, não pudemos contar com a existência de um parâmetro aceito pela comunidade profissional ou institucional em relação à capacidade operacional técnica.  Não contamos com protocolos de atendimento, nem mesmo com parâmetros em relação à capacidade operacional técnica no atendimento realizado pelo assistente social no Judiciário.


Utilizando uma visão sistêmica para analisar a questão, poderíamos dizer que para compensar o aumento de demanda e a diminuição de recursos humanos, os chamados setores técnicos, onde se inclui o serviço social (no Tribunal de Justiça SP) se utilizam de mecanismos de compensação, com o objetivo de que o “sistema de profissionais técnicos e suas atividades mantenham-se funcionando”.


Tais mecanismos de compensação podem ser: “aligeirar o atendimento”; realizar registros de forma sintética; utilizar-se de um pensamento dirigido para atingir metas urgentes, ou seja, o pensamento “causa-efeito”, que tem mais a visão da parte do que do todo, podendo criar desdobramentos indesejáveis em “outra parte do sistema”.


Os desdobramentos vão desde uma atuação de menor alcance do que a desejada ou a necessária, até a possibilidade de erros de condução e intervenção. Os desdobramentos certamente também causam ressonâncias sobre o nosso valor profissional diante do “sistema Tribunal de Justiça” e sobre a saúde mental dos profissionais.


Seja no atendimento de um caso individual, seja em relação às modalidades basicamente caracterizadas segundo a natureza das ações: medidas de proteção; família substituta, adolescente em conflito com a lei, litígios e em algumas comarcas: idosos, violência contra a mulher entre outros, não contamos com protocolos de atendimento e menos ainda com a “medição” do tempo necessário para o desenvolvimento de cada ação.


Sem tais instrumentos, como planejar a divisão do trabalho e o limite da capacidade operacional dos profissionais?


Sem tais instrumentos, como avaliar a qualidade técnica do trabalho realizado, como exercitar o pensamento crítico e ponderar a viabilidade de uma alternativa?


Como justificar a “diminuição da velocidade da resposta” a uma situação que se impõe, trazida por uma família em atendimento, para obter e ponderar  prós e contras de certas escolhas?


Como desenvolver novas habilidades, inserir os recursos tecnológicos disponíveis, aceitar mudanças, adaptar-se, refletir e compreender todas as partes que afetam o sistema em que estamos inseridos e os sistemas com os quais nos relacionamos?


A informação sobre a quantidade, natureza, evolução e grau de resolutividade dos casos atendidos pelos assistentes sociais nas VIJ e Varas de Família  comportaria um valor  significativo, já que poderia subsidiar estudos e  auxiliar na tomada de decisões em diversos graus e níveis: desde o direcionamento de ações profissionais mais assertivas para determinadas situações, aprofundamento de estudos sobre as técnicas de abordagem e aconselhamento, até para o direcionamento de parcerias com o poder executivo  mais comprometidas com as realidades que se apresentam.


Para ilustrar o reflexo da ausência de informação e da falta de resolutividade, tomemos um exemplo da prática diária:


Há poucas semanas, após haver recebido um ofício da VIJ do Foro de Pinheiros, solicitando uma vaga em creche para um bebê que permanece sob alta vulnerabilidade social, recebemos a resposta de uma coordenadoria de educação da Prefeitura do Município de São Paulo: “a criança deveria aguardar a vaga numa fila de espera e seus familiares deveriam acompanhar o andamento pelo site da referida coordenadoria”.


Ora, tratava-se de uma mãe analfabeta, ex-presidiária por haver se envolvido com drogas, que vive em área não legalizada e que sobrevive de subemprego, atuando em reciclagem de lixo, e apesar de tudo, na busca de se integrar a uma sociedade da qual até então ficou à margem, reserva parte de seus recursos para pagar alguém que olhe seu bebê enquanto ela trabalha, ou seja, não quer desistir de seu filho e luta para conseguir uma vida digna.   Se essa mulher não é prioridade, quem seria? Onde estão nossas parcerias com o Executivo para alavancar as pessoas que foram “esquecidas nas filas dos direitos de cidadania” e cujos filhos se tornaram “casos das Varas da Infância e da Juventude”?


A instabilidade e a mudança são regras evidentes no funcionamento dos sistemas, desde o universo aos sistemas sociais, famílias e instituições. Os processos desencadeados por esse modo de funcionamento traduzem-se no que a teoria do caos busca explicar. Causas e efeitos são interdependentes, há resultados imprevisíveis e a busca de controle e estabilidade pode produzir amplificação de sintomas, efeitos imprevisíveis, daí a necessidade de observar os sistemas diante da sua complexidade.


Ao longo da era moderna, a ciência social foi construída por meio da afirmação do sujeito, isto é, ela assenta-se sobre a racionalidade individual – o que fez com que as visões do todo (sociedade) tenham sido construídas a partir da visão da parte (indivíduo); como única contrapartida, vem surgindo um holismo também excludente, defensor de uma precedência do todo sobre as partes.  (Bauer, 1999:161)


É essa última visão, tão parcial quanto à primeira, que coloca a criança que citamos como exemplo, na fila de espera, independentemente de que a conseqüência dessa espera venha a ser o acolhimento institucional da criança.


Como não temos dados organizados, não temos as informações sobre quais e quantas crianças foram parar em instituições de acolhimento por “vulnerabilidade social” ou “exclusão social”, embora saibamos que “... 67% do total de 4.847 abrigados em São Paulo, em 185 abrigos levantados e 87,7% de um total de 20 mil crianças que viveram em 589 abrigos investigados em âmbito nacional, têm famílias, com indicativos de que a maioria não possui acesso a direitos sociais básicos”. (Fávero et al, 2008:19). 


Tendo a informação como mote, Rubem Bauer (1999:157-158) cita G.Morgan e o fenômeno da inflação para explicar como qualquer sistema utiliza a informação para manter sua estabilidade ou mesmo amplificar uma mudança, por meio de mecanismos de retroalimentação. 


Se ao invés do exemplo da inflação, nós utilizássemos o fenômeno da vulnerabilidade social, e ainda escolhêssemos como foco o caso da criança que precisa de uma vaga em creche, a figura que construiríamos poderia ser aproximadamente a seguinte:



 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


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Observe-se como as políticas de assistência social injetam informações no sistema de modo a estabilizar a questão da vulnerabilidade social, no entanto,o subemprego, o analfabetismo, a habitação precária, entre outros, injetam informações que tendem a amplificar os efeitos  da vulnerabilidade social, o que numa linguagem sistêmica, chamaríamos de retroalimentação positiva.


O acolhimento da criança em instituição oferece uma estabilidade ao sistema, o que chamamos de feedback negativo. 


O exemplo busca mostrar como nem sempre a estabilidade é desejável, já que o acolhimento é medida extrema e só ocorre porque se amplificou um efeito indesejável, a vulnerabilidade a que a criança ficaria exposta. Assim, o acolhimento traz “uma ordem temporária”, que mantida ao longo do tempo volta a se transformar numa “nova desordem” do sistema.


Os circuitos de feedback negativo, ou seja, quando a retroalimentação atua de modo a manter a estabilidade do sistema, estão expressos por linhas tracejadas.


Quando a retroalimentação é positiva trata-se do conceito de que a informação introduzida no sistema foi utilizada para amplificar seus efeitos.


A estabilidade nem sempre é desejável e por vezes se mantém à custa de um “sintoma do sistema” , a amplificação de um efeito pode ser resolutivo para sua funcionalidade ou contribuir para o caos  do sistema.


Desta forma, “... em todos os sistemas sociais, as causas e os efeitos são interdependentes e qualquer descrição linear terá sempre utilidade e alcance limitados. (Bauer, 1999:157).


A informação para a tomada de decisões 


Coletar e avaliar dados e transformá-los em informações úteis não é tarefa fácil e alguns de nós não estão  treinados para isso. A busca de apoio para fortalecer nossa capacidade em coletar, organizar, armazenar e utilizar dados exige ainda um apoio financeiro, além de treinamento.


Entre seus artigos voltados para redes de informação e gestão local, o professor Ladislau Dowbor  ressaltou:  “...apesar de termos rios de informação não se formaram ferramentas de conhecimento organizado para ação cidadã.”


O mote do tema, voltado para a importância da transparência e democratização das informações, é a necessidade da sistematização da informação segundo as necessidades de participação dos diversos atores sociais.


Qualificando a informação como um instrumento de cidadania e de racionalidade do desenvolvimento social, o autor aponta: “...na ausência de informações articuladas para permitir a ação cidadã informada, geramos pessoas passivas e angustiadas.”


De acordo o professor o grande desafio é a produção de informação segundo necessidades práticas dos atores sociais que intervêm no processo de desenvolvimento social.


Em termos de informação, no entanto, o fato é que de forma geral todos visualizamos a produção da informação como um processo de baixo para cima. Organizamos informação para guiar ações do governo, para melhorar as ações de um banco de desenvolvimento, para organizar a política de investimentos de uma empresa em geral como fornecedora de informações, para que os centros de decisão que ficam mais acima possam levar seus interesses em consideração, ou assegurar melhor os seus próprios interesses. Este tipo de filosofia da informação é coerente com a ideologia política que vê a sociedade como usuária ou até com “cliente”, mas não como sujeito do processo decisório. O eixo central, portanto, consiste em entender que é a sociedade civil no seu conjunto que deve ser adequadamente informada, para que possa participar ativamente das decisões sobre os seus destinos. (Dowbor, 2003:8)


Não estaríamos alguns de nós, ou provavelmente muitos de nós, integrantes dos setores técnicos do TJSP, avaliando a importância da informação sob o ponto de vista “de baixo para cima”, já que a produção de informação que temos realizado parece apenas servir para controle de produtividade e não retorna como informação trabalhada e organizada para auxiliar na análise do contexto em que atuamos e nas direções a seguir?


Qual é o seu valor?  É o do especialista, que tem a capacidade pelo domínio de um conhecimento. Mas é preciso torná-lo organizado e refletido, caso contrário o seu valor é  o mesmo da população sob “alta vulnerabilidade social!” Essa população também não tem acesso à informação, não sabe produzi-la  e poderia nem saber como utilizá-la.


Podemos nos comportar tal e qual essa população, quando atendemos às altas demandas que nos são impostas sob coerção e sob ameaças de punições e sanções. Podemos nos acomodar, adoecer, enlouquecer!


Ou podemos negociar, utilizando a informação como poder de base de negociação. “A informação que é produzida pelo técnico tem um valor e sustenta o poder de informação.” (Carvalhal, 2004:104).


A quantidade e variedade de informação podem trazer contradições à baila. No entanto, precisamos das contradições e da ambigüidade, precisamos duvidar de nossas certezas e refletir para ampliarmos nossos horizontes, mais do que para seguirmos regras, buscarmos evitar aquilo que já sabemos ineficaz. Precisamos tornar a informação acessível na forma e no momento em que for requerida para a tomada de decisões.


 REFERÊNCIAS


BAUER, Ruben. Gestão da Mudança – Caos e Complexidade nas Organizações. São Paulo:Atlas,1999. p.157 e p.161


CARVALHAL, Eugenio do. Negociação. Fortalecendo o processo: como construir relações de longo prazo. Rio de Janeiro:Vision,2004. p.104


DOWBOR, Ladislau. Informação para a Cidadania e o Desenvolvimento Sustentável. 2003 – artigos on-line – redes de informação de gestão local: http://dowbor.org/ Acesso em março de 2010.


FAVERO E. T., Vitale, M. A., Baptista, M. V. Famílias de crianças e adolescentes abrigados. São Paulo: Paulus, 2008 .p.19



 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 



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