A história da FEBEM-SP: uma perspectiva e um recorte

Autor: 
Maria de Lourdes Trassi Teixeira

SEMINÁRIO DE TRABALHO SOBRE O REORDENAMENTO DO SISTEMA DE ATENDIMENTO DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS
São Paulo, 07 e 08 de abril de 2005.


As instituições são produções/criações humanas, por mais terroríficas que sejam. A sociologia, a psicologia e outras ciencias afins nos ensinaram isto há muito tempo. S. Freud, em "o mal estar na civilização" (1932) afirmava que o homem criou instituições sociais que dificultam suas vidas. A mudança destas/nestas instituições implica em um confronto de forças políticas, morais, psicológicas presentes no mundo social e que se reproduzem ali - a instituição revela o mundo social no qual está inscrita num determinado momento histórico. E, para além do moralismo, é necessário o critério moral de bem e de mal para a compreensão e análise.


A referência de bem e mal é sempre os valores éticos fundamentais constitutivos da humanidade de cada um e todos nós que se referenciam, em última instância, no valor da vida: o que a torna potência, vivível e o que a coloca em condições intoleráveis de ser vivida, como ensina Eric Hobsbawm ( em "o breve século XX", 1995) Portanto, o bem é o oposto de tirania - enquanto exercício do ódio como um aparato de constrangimento e de poder que submete e viola o outro; e, o bem é o oposto da indiferença que retira do outro seu estatuto moral, sua humanidade.


Esta introdução pretende explicitar a referencia para a leitura do passado-presente da instituição que se destina aos adolescentes autores de ato infracional que cumprem medida de privação de liberdade em São Paulo - Febem/sp - mesmo correndo o risco de ser interpretada como pouco científica (a ausência da neutralidade). E, o objetivo desta exposição é arrolar dados, situações que se repetem nas últimas décadas, em SP, para que cada um possa analisar e concluir sobre a instituição que executa a medida socioeducativa de privação de liberdade para os adolescentes autores de ato infracional e sobre a eficiencia das ações governamentais e das entidades sociais da área.


Considerar o passado-presente é condição para desenhar/ousar pensar/planejar o presente-futuro.


Até o início do século XX, as crianças e adolescentes envolvidos com a prática de crimes ficavam nas cadeias públicas e presídios junto com os adultos. Em 1910/13, o jurista Evaristo de Moraes conclama o governo a construir equipamentos visando a separação dos menores dos adultos. O primeiro código de menores de 1927( Mello Matos) dá os primeiros fundamentos para um olhar discriminado e discriminador para as crianças e adolescentes: os abandonados moralmente, os abandonados materialmente (os pobres) e os infratores.


O código tinha um caráter assistencialista e " os institutos inaugurados a partir daí tinham um caráter assistencialista e repressivo, correcional, punitivo ( Rinaldo Arruda "De criança a infrator", tese de mestrado, 1982).


Na década de 40 nasce o SAM - serviço de atendimento dos menores - " ligado ao Ministério da Justiça (e) ficava explícita a preocupação estatal com o combate à criminalidade infanto-juvenil... a existência do SAM foi extremamente conturbada, sobretudo quando passou a ser concebida como inadequada ao tratamento dos "menores". Os inspetores representavam, de acordo com o discurso oficial, um dos grandes entraves do SAM. Em sua grande maioria eram concebidos como 'pérfidos, corruptos e sem nenhuma condição moral'. Todas as críticas levantadas na época sobre o sam, posteriormente, foram documentadas, por todos os ex-diretores do sam, num anexo ao projeto que daria origem à funabem." ( em Os filhos do silêncio, Alexandrino C. Roddrigues, IBCCRIM).


Em 1963, formou-se uma comissão com representante do CRESS, da CNBB (D. Candido Padim) para propor a criação de uma fundação que englobasse toda a política relativa à questão da menoridade no Brasil, bem como extinguir o SAM. No anteprojeto ficava clara a reformulação de toda a política existente em relação aos menores: não bastava apenas extinguir o SAM de triste memória . Deveria acontecer toda uma reestruturação que possibilitasse, inclusive o aparecimento de uma entidade completamente autonoma ( tecnica, financeira, administrativamente) e sobretudo desvinculada doMinistério da justiça.


Com o advento do período militar a partir de 1964, houve amplas transformações na questão do menor; o estado, sob tutela dos militares, tornou-se preceptor da questão.


A Funabem - fundação nacional do bem-estar do menor - deu origem às febens estaduais e foi criada a partir de um ato do presidente Marechal Castelo Branco em 1.12.1964. Seus fundamentos estão na Política da Segurança Nacional e se caracterizava como estratégia social daquele período que, no caso, buscava "o controle da pobreza: as famílias pobres e seus filhos, todos em situação irregular... havia uma indiferenciação entre crianças e adolescentes em situação de abandono material ou moral e infratores"(tese M.L.T.T.,2002, p.99). Os discursos da época substituiam as determinações sociais-economicas-políticas na produção do fenomeno pelas questões da organização/desorganização familiar, religião dos genitores, diferentes padrões de comportamento ( período em que exerce muita influência a teoria de Oscar Lewis sobre a cultura da pobreza/ a teoria da privaçào cultural - um modo de ver os pobres como despossuídos, desqualificados).


Em SP, a febem foi instalada em 1976, em substituição à Pró-Menor pelo mesmo gestor que implementou a Funabem, em 1964, no Rio de Janeiro: Mario Altenfelder ((que, posteriormente, assumiu a Secretaria da Promoçào Social e a presidência da Febem foi assumida por João Benedito de Azevedo Marques, atual conselheiro da F.abrinq)). O fluxo dos menores era: 1) os menores eram encaminhados pelo plantão do DAM- Divisão de Atendimento ao Menor do Juizado de Menores ou pelo SIMI - Serviço de Internamento de Menores do Interior 2) a triagem era feita pelo COF/ Centro de Observação Feminino ( 150 adol.); pelo SAT - Serviço de Abrigo e Triagem ( 600 meninos ) com "problemas leves de conduta" e, recebia tb abandonados e carentes; e, pelo RPM / Recolhimento Provisório de Menores - localizado em um galpão no extremo leste do quadrilátero do Tatuapé - destinado a infratores com problemas graves de conduta. 3) na sequência do fluxo, os menores eram encaminhados para unidades do proprio quadrilátero, para a Unidade Educacional de Ribeirào Preto, para a unidade/Presídio de Mogi-Mirim, para a Casa de Custódia de Taubaté.


Quadrilátero do Tatuapé - U.E.-15 / Unidade Desembargador Theodomiro Dias onde buscou-se por um período de 2 anos a excelencia do trabalho junto aos alunos: a inserção na comunidade - trabalho e escola. Alguns trabalhadores daquela época permanecem ou retornam em outros momentos da história da instituição: m.i.b./supervisora do serv.social e, depois presidente da febem-sp; j. l. / supervisor de educação e, depois fundador da Pastoral do Menor, militante na área; V./ encarregado de turno e, depois diretor da U. E.-18, coordenador do Complexo Imigrantes e da URT no Complexo Tatuapé; A . M. / encarregado de turno e, depois diretor do cadeião de pinheiros ; L. / assistente social e, depois diretora tecnica, "braço direito" de Mario Covas no projeto novolhar; C. / orientadora pedagógica, minha dupla de trabalho e, fez a recepção dos novos funcionários que substituíram os 1751 demitidos, em 2005.


Nas unidades de Iaras, Batatais, Guarujá, itapetininga e mesmo na unidade 21 do quadrilátero, havia a convivência de abandonados e infratores. É necessário destacar: no RPM, desde a década de 60 ( depoimento de luiz alberto mendes, "diário de um sobrevivente", cia das letras) os meninos chegavam na recepção e ficavam em jaulas/gaiolas/ "espécie de engradado"; o que também ocorria/vi no Hospital Psiquiátrico Vera Cruz em SP na década de 70 para onde eram encaminhados meninos da febem considerados portadores de distúrbios psiquiátricos. A PM fazia todo o serviço ( administrativo e de vigilância), a disciplina era de quartel, a recepção dos meninos era através de "bolos"e surra de fio de telefone; os espancamentos eram com borracha de pneu de caminhão. Nas palavras do Luiz "o ato dos PMs era tão conscientemente criminoso, que procuravam bater apenas onde não ficassem marcas duradouras. As palmas das mãos e as plantas dos pés. Só quando a vítima não se submetia àquele tipo de tortura é que eles batiam às queimas. E, tinhamos pavor das surras às queimas... só hoje ( 30 anos depois) sei que é muito mais fácil suportar uma surra geral do que sofrer tortura". Quando batiam demais e deixavam marcas, escondiam da família no castigo - cela forte- e só saia quando as marcas sumiam. ... e, tb tinha a violência, principalmente sexual dos mais velhos com os mais novos; as roupas sujas e rasgadas, as muquiranas, a coceira ( p.109-128).


O presídio de Mogi Mirim foi autorizado a receber menores de 14 a 18 anos em dezembro/1924, como Escola de Reforma de Menores; (((em 38 se vincula ao SAM-serviço de atendimento de menores, em 47 recebe meninas de 7 a 18 anos e em 57 transforma-se em Instituto Masculino de Menores de Mogi-Mirim;))) em 1973, integra-se a Pro-Menor como U.E.-9 e em 1975, à Febem-sp. Nas palavras de um tecnico da unidade "é uma casa de reforma onde a disciplina é rígida sob regime militar ... (os menores) são objeto de vigilância constante pois sua agressividade é imprevisível... têm indole perversa.... sabemos como é difícil a reeducação desses menores ainda mais que 50% são débeis mentais"... (Maria Candida Santarcangelo em Alexandrino G.Rodrigues, os filhos do mundo-a face oculta da menoridade(964-1979), IBCCRIM); e, aos 18 anos muitos eram transferidos para a Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté , onde podiam permanecer até os 21 anos com um laudo de periculosidade ou até que cessasse a periculosidade. Este aspecto está estudado na tese de mestrado de Maria Cristina Vicentim "Fronteiriços: uma geopolítica da delinquência" (Puc-sp,1992).


A primeira pesquisa realizada em São Paulo com a totalidade do universo de crianças e adolescentes e instituições da área, por solicitação do Tribunalde Justiça,foi do Cebrap ( A criança, o adolescente, a cidade) publicada em 1973, e conclui: as triagens são um ponto de estrangulamento do fluxo (os menores permanecem ali 1 ou 2 anos )pois não há uma retaguarda de unidades para encaminhamento; há uma desarticulação entre o poder judiciário e os serviços da área; a intervenção junto aos menores, marcada pela violência, age no sentido da socialização divergente: "a escola do crime" ( palavras dos autores); presença marcante de adultos despreparados para o trabalho de triagem e reeducativo gera ambiente de violência e revolta. Um dado relevante da pesquisa é que dos 356 menores infratores internados: do sexo masculino, 31% são normais; 14,9% sào oligofrênicos, 53,4% são äfetados por outras manifestações patológicas mentais"e 0,7% tem defeito físico; no caso das meninas, 55% são normais,, 19% oligofrenicas, 23,8% portadoras de outras doenças mentais e 2,2,% deficientes físicas. No caso dos adolescentes infratores internados nas instituições particulares 100% eram considerados portadores de distúrbios mentais: oligofrênicos e outros distúrbios. Empiricamente ( na U.E. 15) constatava o número expressivo de meninos que eram transferidos do circuito de abandonados para o de infratores ( a patologização e criminalização da adolescência); a transferência noturna de meninos para Mogi Mirim... a resistência às inovações,às práticas educativas eram, inicialmente, veladas, depois descaradas, à luz do dia. Os trabalhadores tecnicos sairam "um a um" e, as práticas repressivas prevaleceram.


Na década de 80, houve um reordenamento da instituição no Quadrilátero do Tatuapé: unidades de recepção ( UR), unidades de triagem ( UT) e unidades educacionais (U.E.). Alguns fatos: muitas pequenas rebeliões motivadas claramente pelo conflito entre "o pessoal dos direitos humanos" (Maria Cecilia Ziliotto, Maria Lucia Violante; Maria Ignez Bierrenbach, Marrey, Paulo afonso Garrido de Paula, Martha Toledo, Pe. Agostinho, Emir Sader ) que assumira a gestão da febem-sp, no governo Montoro, e buscava reformá-la e as forças de resistência - o pessoal comprometido com a tortura, com a mentalidade repressivo-policial (enquistados, particularmente, na UT-3); ou seja, os embates na sociedade no período que se denominou "transição democrática"também se reproduziam ali. Em meados da década de 80 ( gestão Maria Ignêz Bierrenbach) , todos os menores em unidades prisionais da Secretaria de Segurança Pública são transferidos para a Febem-sp - os últimos meninos estavam no Presídio de Sorocaba, haviam sido transferidos para lá quando colocaram fogo na unidade de Mogi Mirim na década anterior em uma rebelião contra os maus-tratos; neste período, também, se faz um pacto técnico, político, ético de não encaminhar os meninos para a Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté.


No final da década de 80 /início da década de 90, surgiu em São Paulo a Secretaria do Menor com a excelência de seus programas de atendimento na área da prevenção e passou a coexistir com a Secretaria da Promoção Social onde a febem estava alocada. A Secretária disse no discurso de posse que a nova secretaria não incluiria a febem-sp; portanto, a coexistência, em um mesmo governo, de práticas educacionais e repressivas... algo compreensível exclusivamente na ótica da distribuição de secretarias/cargos em função dos acordos partidários em período eleitoral; no final da gestão, quando a Secretaria do Menor assumiu a febem ... houve muitas rebeliões no quadrilátero do Tatuapé. No final do governo, a Secretaria do Menor foi desmontada, seus programas desapareceram ou assumidos por entidades particulares perderam a visibilidade e a febem permaneceu.


Em 17.8.1987, a juíza de Taboão da Serra determina o internamento de 4 menores ( um de 12 anos) na Casa de Custódia de Taubaté. Houve uma mobilização coordenada pela Comissão Teotônio Vilela, comissão de criança e adolescente da OAB e grupo de menoridade do SEDES que durante dois anos realizaram visitas aos meninos e recorreram em todas as instancias ( até o Supremo Tribunal Federal que negou o habeas corpus). Os meninos foram transferidos para a febem dois anos depois em uma ação política pública ( abaixo assinado com o Premio Nobel da Paz, Adolfo Esquivel ) e o debate "A lógica da maldade- os meninos transferidos para o sistema penitenciário" em um evento da Secretaria de Cultura do município "Cidade, Cidadão, Cidadania" para comemorar os 200 anos da declaração dos direitos humanos. No dia do debate, chegou a carta do Dr.Wilson Barreira, juiz da Vara Especial (área de infratores) de SP notificando a transferência dos meninos para a febem-sp ( 25.8.89).


Em meados da década de 90, as unidades de abandonados localizadas na Imigrantes foram transformadas em unidades para infratores; a U.E.-18, localizada no Complexo Imigrantes se destacava por uma proposta de atendimento técnico responsável e coexistia com as unidades de internação provisória que se caracterizavam pela superlotação, insalubridade. O Depto da Criança e do Adolescente da SDH do MJ fez uma publicação dizendo que SP era o estado em que os adolescentes estavam em piores condições de privação de liberdade. As condições brutalizadoras dos internos na Unidade Imigrantes lembrava o RPM/70. A mesma mentalidade. No final da década de 90, aparecem os "ninjas", uma tropa de funcionários que invade as unidades, com a justificativa de conter os meninos, as mães denunciam sua presença várias vezes. O MP faz muitas denuncias sobre os maus-tratos e o desrespeito do Estado à legislação vigente: o ECA. A febem recorre e sempre ganha em segunda instancia ( ver tese da M.Cristina Vicentim "Vidas em rebelião", puc, 2002). A grande rebelião da década de 90 na Imigrantes atualizou e demonstrou as entranhas da instituição, sua história e dinâmica onde a tortura nunca havia sido erradicada, os adolescentes eram brutalizados e ficavam cada vez mais cruéis e; mais uma vez, o executivo perdeu a oportunidade, já em plena vigência do ECA, de superar uma visão vingativa dos adolescentes envolvidos com a prática do ato infracional e sua prática de resistência à lei - o ECA. Os adolescentes foram transferidos para o quadrilátero do Tatuapé (os mais difíceis para a URT - Unidade de Referencia Terapêutica- cujas condições de encarceramento foram denunciadas em evento do Conselho Regional de Psicologia: os meninos não eram retirados das celas para fazer suas necessidades fisiológicas), para a Cadeia ou Presídio de Santo André, para o cadeião de Pinheiros enquanto aguardavam a reforma do presídio de Parelheiros ( para 400) e o término da construção de Franco da Rocha para 980. Na época, o CONDEPE coordenou um grupo que fez um parecer sobre a inadequação do presídio de Parelheiros em acolher os adolescentes. As jaulas ou gaiolas -às quais luiz se refere na década de 60/70 - encontrei no Cadeião de Pinheiros: os meninos permaneciam ali de calção enquanto aguardavam para serem entrevistados pelo setor técnico. Nenhum estranhamento. No dia da transferência dos meninos do Cadeião de Pinheiros para Franco da Rocha foram recebidos com um corredor polonês, pelos funcionários ( o secretário Edson Ortega e a diretora do GDT foram notificados no momento em que ocorria o fato).


Os meninos e os funcionários carregam para as novas unidades o estilo de vida carcerário e os padrões de conduta, convivência do sistema prisional. A redução da idade penal, em São Paulo, já era uma prática.


Em março/2005, 245 meninos são transferidos para a Casa de Custódia de Taubaté; no dia 19 de março, 80 e tantos de 700 adolescentes ( com mais de 18 anos) começam a ser transferidos, em um caminhão de presos do sistema penitenciário, para um presídio a 623 Km. de São Paulo. Não é possível esquecer que o governador, em uma das tentativas mais recente de alteração do Eca, encaminhou à Câmara Federal um projeto de lei para que os adolescentes que completem 18 anos na febem sejam transferidos para o sistema prisional de adultos. O diretor do presídio é da Secretaria de Administração Penitenciária; os adolescentes ficam sob a vigilância de agentes penitenciários; serão atendidos, segundo o secretário pela equipe de LA de Presidente Prudente; o diretor do presídio diz que a educação será de responsabilidade da Secretaria de Educação; as entidades sociais e de direitos da área da infância e juventude - que apoiaram as ações do secretário da justiça e presidente da febem-sp quanto à erradicação da tortura/demissão de funcionários em uma atitude corajosa e de força - denunciam que os adolescentes apanharam dos funcionários na saída do quadrilátero do Tatuapé e dos agentes penitenciários, na chegada ao presídio de Tupi Paulista.


Os representantes das entidades em visita a Taubaté ( 21.3, segunda-feira) afirmam " o que vimos foi degradante": 3 meninos em cada cela de um presídio destinado a presos adultos que necessitam ficar em um regime diferenciado/ de maior contenção. Ali onde ficaram os presos fundadores do PCC - podemos hIpotetizar o efeito disto no imaginário e na formação de identidade dos adolescentes. Até a data da visita, os adolescentes não haviam saido para tomar sol. Havia meninos doentes e sem atendimento. As necessidades fisiológicas são feitas na cela; os colchões estão molhados pela água do banho que sai do cano na parede. O cheiro é insuportável. Um dos meninos doentes que necessita de medicação pois tem convulsões está sem medicação. Em Tupi, 3 entidades foram fazer a visita em 28.3; inicialmente, foram proibidas de entrar "quem manda é o diretor do presídio" e acaba se evidenciando que a responsabilidade sobre os adolescentes foi transferida para o Sistema Penitenciário. A corregedoria havia feito um contrato ( formal ? para valer?) com o executivo para autorizar a transferência. As condições são precárias e o descumprimento do acordo demonstra a "ingenuidade" ( será?) do judiciário e o cinismo do executivo.


Boaventura Souza Santos ( A crítica da razão indolente) diz que há um cinismo dos governantes... "o que é novo, no contexto atual é que as classes dominantes se desinteressaram do consenso, tal é a confiança que têm em que não há alternativas às idéias e soluções que defendem. Por isso, não se preocupam com a vigência possível de idéias ou projetos que lhe são hostis, jä que estão convictos da sua irrelevância e da inevitabilidade do seu fracasso... o que existe não tem que ser aceito por ser bom. Bom ou mau, é inevitável... "( 2000:35) ... isto nos dá pistas sobre a falta de efetividade de nossas ações. No dia em que o governador fez seu pronunciamento sobre a construção de novas unidades "no prazo de 6 meses, a partir do início da construção e desde que não haja problemas" e a transferência de 700 adolescentes para o presídio da Secretaria da Administração Penitenciária, tive a oportunidade de ouvir, duas vezes, o sr. Secretário da justiça e presidente da febem - uma vez em seu gabinete quando cruzamos com o Ministro Nilmário Miranda que saia dali - e, outra em uma homenagem na Camara de Vereadores de SP organizada pela vereadora Claudete Alves do PT: em ambas as situações, chamou a atenção que o secretário tenha omitido a transferencia dos meninos para o presídio de tupi Paulista e nenhuma referência aos adolescentes da Casa de Custódia de Taubaté, falou das 41 unidades pequenas planejadas cujo modelo arquitetonico é de 4 módulos de 40
(unidades para 160 ou80, dependendo da localidade) . Não abordou as questões da segurança, da presença ainda de funcionários comprometidos com a tortura na instituição. O seminário técnico realizado em 9.3 na febem também não abordou este aspecto. O secretário convocou uma reunião para o dia 28.3 ( o dia da visita à tupi paulista) para discutir com as entidades, as unidades pequenas sendo que já há algumas no proprio sistema febem que são muito bem sucedidas (e, em 99, gestão Mario Covas, foi feito um estudo sobre regionalização do atendimento). É possível pensar em uma cortina de fumaça para desviar a atenção daquilo que permanece, se repete.


Hoje, estamos de novo em circunstâncias que se repetem: os meninos no sistema penitenciário, a proposta de construção de pequenas unidades, as entidades sociais da área começando a se fragmentar por conta de suas convicções, polêmicas e um silêncio que começa a se instalar no sistema febem ... os meninos saíram dos telhados, a mídia já não está a postos e os meninos, eu diria, parafraseando Winnicott, "estão à própria sorte".


O ministro da justiça disse na revista carta capital ( 7.4) que apoia as medidas do secretário. A comissão ( conectas, amar, abrinq) que foi a tupi paulista encontrou lá as gaiolas/ jaulas às quais luiz se refere na década de 60/70. E, contaram que o diretor do presídio não se subordina às orientações da Secretaria da Justiça/febem mas à Secretaria da Administração Penitenciária . As entidades que foram até o Ministério Público Federal afirmam que este irá fazer recomendações ao Secretário da Administração Penitenciária. Em 31/03/05, a portaria 230 da Secretaria da Justiça transforma o Presídio de Tupi Paulista em unidade de internação emergencial da Febem-sp. E, aí transformamos o adolescente naquilo que tememos que ele seja: vingativo, cruel.


As considerações sobre o futuro devem implicar em pensar um tempo para além da biografia pessoal
(utopia da rã), de interesses político-partidários, das eleições estaduais e federais, das convicções estreitas de cada entidade, setor da sociedade. E, não podemos temer responder com clareza - para desenharmos bem as estratégias - o que é reordenamento institucional ? o ponto de partida é que existe? é extinção da febem? É uma ampla reforma? Já esquecemos que, neste ano de 2005 tudo começou com as denúncias da tortura ... ela foi erradicada?


Na desestruturação da sociedade (ou, de qualquer de suas instituições) "se precipita sobre todos nós essa situação de desesperança, de descrença, de desespero. Ou se consegue restituir a possibilidade de investir num projeto de futuro e nas realizações de ideais, ou então vamos ter um dado incontrolável, que é o medo, o pânico das pessoas, que levará o indivíduo a querer se defender a qualquer custo, permanecendo o mais fechado possível e abrindo mão da intervenção no social."
(Jurandir F. /Costa, A ética e o espelho da cultura, p.62 )



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